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FELICIDADE NÃO SE COMPRA

15 de setembro de 2010

A Folha on line publicou reportagem comentando pesquisa da revista científica “PNAS” sobre os principais fatores de felicidade e de infelicidade na vida das pessoas. Foram feitas entrevistas com mais de 450 mil americanos.

Descobriu-se, por exemplo, que gente solitária se sente muito infeliz até em comparação com quem sofre de um problema crônico de saúde. Ter filhos, por outro lado, traz felicidade. No que tange a renda, para ser feliz, o importante não é ser rico, mas sim não ser pobre.

O fator campeão de bem-estar, porém, é ser uma pessoa religiosa.

Mas o interessante desta pesquisa é que ela coincide com o pensamento filosófico realista. Neste sentido, O filósofo Ricardo Yepes Stork comenta o seguinte: “A vida boa era para os clássicos  a que contém e possui os bens mais apreciados: a família e os filhos no lar, uma quantia moderada de riquezas, os bons amigos, boa sorte ou fortuna que afaste de nós a desgraça, a fama, a honra, a boa saúde, e, sobretudo, uma vida nutrida na contemplação da verdade e na prática da virtude”. (cfr. Fudamentos de Antropologia. Ed. Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”).

Outro dado que salta aos olhos é a fé como o único fator que vence o dinheiro na busca pela felicidade. Mas por quê? A meu ver, exatamente por que a fé, se coerente e vitalizada,  proporciona sobretudo, uma vida nutrida na contemplação da verdade e na prática da virtude, afora a nossa necessidade de eternidade. Conforme ensina o mesmo Yepes “O homem deseja deixar o tempo para trás e ir mais adiante dele, para uma região onde o amor e a felicidade não se trunquem, onde fiquem a salvo de qualquer eventualidade e se façam definitivos. Por outro lado, o destinar-se à pessoa amada nos faz ver que uma pessoa humana não é suficiente para cumular as capacidades potencialmente infinitas do homem.(…) Deus é a suprema felicidade do homem, pois é n’Ele onde se cumula plenamente o desejo que marca a vida de todos os homens. Deus é o amigo que nunca falha. (…) Só com Deus o destino do homem com o tu está garantido, porque qualquer outro tu é falível, inseguro e mortal”.

Vemos assim que. para sermos felizes, não é necessária uma vida cômoda nas riquezas, mas um coração enamorado (S. Josemaría Escriva, Sulco, n. 795).

O ANIMAL QUE RI

6 de março de 2010

Na última Roda Filosófica, discutimos o texto “O humor nos tempos da cólera”, de Marcelo Consentino, publicado na Revista Dicta e Contradicta (http://www.dicta.com.br).  “O homem é o único animal que ri”, ensina Aristóteles. O ato de rir é patrimônio exclusivo do animal racional. O autor ensina que, para rir, é necessário um desligamento temporário e momentâneo das emoções. De fato, se assistirmos a uma ópera tampando os ouvidos, sem nos deixar dominar pela emoção da música e do ambiente, vemos quão engraçados são as roupas e movimentos dos artistas, simulacros que são de guerras ou de dramas humanos. O riso ordinariamente é produzido num ambiente comunitário ou relacional. “Quer rir, tem que fazer rir”, diz o personagem de um conhecido filme. A surpresa que causa uma piada é certamente uma condicionante indispensável. Mas um aspecto bastante ressaltado por Bérgson é que o riso nasce como uma espécie de censura que um determinado grupo dirige a um indivíduo em razão do seu comportamento inadequado. De fato, as piadas de português são engraçadas para os brasileiros em razão da desconformidade entre a forma de pensar de um português, que possui uma linguagem denotativa, e a de um brasileiro, cuja linguagem é mais conotativa. Assim, segundo o autor, o riso é ao mesmo tempo uma reação e uma correção a algo que desconcerta ou desequilibra a vida individual ou social. Neste sentido, o autor ressalta a ironia com uma função social: corrigir de forma sutil a conduta de alguém que age vaidosamente ou de maneira hipócrita. Sem dúvida, a ironia desperta a pessoa para a dissonância da sua conduta. Entretanto –  e aqui discordo do autor – é preciso ser muito hábil para saber utilizar-se dela, pois a ironia não deixa de ser humilhante para aquele que é objeto de comentário, ainda mais se considerarmos que ele é feito na presença de outras pessoas. Por outro lado, um ponto pouco trabalhado pelo autor e bastante ressaltado na nossa Roda é o saber rir de si mesmo. Narrei um episódio da vida de S. Josemaría Escrivá. Certa feita, ele andava mal humorado e acabrunhado. Teve então a seguinte idéia: “-Vou tirar uma foto instantânea!”. Ao ver quão ridícula era a sua cara sisuda, riu-se e recuperou o bom humor. Escrivá nos ensina que, quando andamos mal humorados, especialmente por algo que feriu o nosso orgulho, é preciso que saíamos de nós mesmos para enxergarmos a verdadeira dimensão daquilo que nos chateia. É  preciso que façamos uma suspensão momentânea dos nossos sentimentos de ira e orgulho ferido para que descubramos  a  “tempestade no copo d’água” gerada pela nossa imaginação e que é causa de sofrimentos, chateações e conflitos humanos. Humildade, não levar-se tão a sério e rir de si próprio é a melhor terapia contra grande parte dos nossos dramas.

ÉTICA DAS OBRIGAÇÕES VS ÉTICA DAS VIRTUDES

5 de dezembro de 2009

Platão e Aristóteles em Escola de Atenas, de Rafael

O fenômeno atual da codificação da ética decorre especialmente do pensamento de Emanuel Kant que, em sua Crítica da Razão Prática, definiu a moral como conjunto de máximas que podem ser generalizadas. Por isso, muitos pensam que a ética é um conjunto de regras, geralmente previstas em um código deontológico, onde está prescrito aquilo que o indivíduo pode e aquilo que ele não pode fazer.

Entretanto, a origem da Ética das Obrigações remonta ao séc. XIII, especialmente com o pensamento de Guilherme de Ockham, considerado como o representante mais eminente da escola nominalista. Para Ockham, não há nenhuma moralidade intrínseca às ações humanas, sendo ações moralmente boas ou más apenas porque Deus assim o quer. Deus, diz Ockham, poderia ordenar às criaturas que o odiassem, e neste caso odiar a Deus seria bom e meritório. A liberdade apresenta-se como a possibilidade de escolher entre o sim ou o não, pura e simplesmente.

Essa visão acaba reduzindo a ética a uma camisa de força da liberdade humana. Posteriormente surgirão críticas a ética assim conceituada, tal como no Marxismo e o pensamento de Nietzsche, onde os valores morais seriam impostos pelas classes dominantes, uma moral de escravos, construção cultural no tempo e espaço etc. Talvez isso explique a atual crise na moral e nos costumes, eis que, para muitos, “tudo é permitido”.

A proposta da Ética das Virtudes vai num sentido diametralmente oposto.

Calcada no pensamento de Sócrates, Platão e Aristóteles, a Ética das Virtudes ressalta que o homem possui guias internos naturais para a realização do ser. O homem é, por natureza, finalístico. Píndaro, poeta da antiguidade, explicita essa idéia com a máxima “Torna-te o que és”. E a finalidade do agir humano é buscar o ideal de excelência na inteligência, na vontade e na afetividade. O homem é, portanto, um ser in fieri, ou seja, precisa preencher o seu ser de plenitude, e esse preenchimento levará a felicidade.

É no agir humano que o homem torna-se o que é. De certa forma, nos identificamos com o nosso agir, o que poderíamos chamar de efeito feed back. Nenhuma ação pessoal nos é indiferente. Tal como o fogo, que cresce ou se apaga, estamos a cada momento nos aproximando ou nos distanciando do nosso verdadeiro ser, dependo do nosso agir bom ou mal. E a repetição desses atos morais gera um hábito bom ou um hábito mal. O habito bom é o que chamamos de virtude, e o hábito mal, vício. São esses hábitos – como uma segunda natureza – que nos aproximam (virtudes) ou nos afastam (vícios) da verdade e do bem e, portanto, da felicidade.

Assim, vemos que bem, fim e perfeição de certa maneira se confundem. O homem ou é ético ou não é homem.

Não só as corporações devem identificar a sua Missão e a sua Visão, para utilizar uma conceituação empresarial moderna. Também o homem possui uma Missão e uma Visão.

Cabe a cada um descobrir qual é a sua.

Educar o jovem para o prazer

11 de setembro de 2009

João Malheiro, doutor em Educação pela UFRJ, é diretor do Centro Cultural e Universitário de Botafogo (www.ccub.org.br) e-mail: malheiro.com@gmail.com

Refletir sobre a felicidade é uma atitude habitual em todo ser humano, pois sua natureza o inclina a buscá-la em tudo o que faz. Todo trabalho filosófico, desde os tempos helênicos até os nossos dias, consistiu basicamente em tentar decifrar seu caminho e propor elementos que facilitem seu alcance.

Aristóteles, em Ética a Nicômaco, afirmava que “a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como o Bem Supremo, pois a escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa de algo mais; as honrarias, o prazer, a inteligência e todas as formas de excelência, embora as escolhamos por si mesmas, escolhemo-las por causa da felicidade, pensando que através delas seremos felizes”. Portanto ser feliz é o grande fim, o único que deve motivar nossas ações e toda ação educativa. Todo educador, se é honesto consigo mesmo e com o próximo, procurará orientar o educando para alcançar a verdadeira realização. O problema é que, muitas vezes, é difícil definir com objetividade o que é na prática esse Bem Supremo, pois, como se vê no mundo de hoje, parece não haver um consenso claro.

Agostinho condensava a felicidade na conquista da Verdade e na Eternidade. Podemos intuir, portanto, que a origem da infelicidade do mundo materialista parece estar no afã desordenado de buscar apenas o efêmero, o que engana e o que seduz. Nos dias atuais, efetivamente, parece mais importante parecer ser feliz frente aos outros que ser feliz realmente. A mentira da ostentação do carro importado, de morar num bairro nobre ou de viajar para o estrangeiro todas as férias motiva, de fato, muitas pessoas em seu existir. Mas também é comprovado que essas realidades materiais, cada vez mais ao alcance com esforço e trabalho, com o tempo lhes provocam a chamada frustração existencial, levando-os a concluir: “Afinal, não é isto a felicidade. Eu queria eternizar a alegria de parecer feliz, mas não posso. Isto é uma mentira”. Viktor Frankl, renomado psiquiatra austríaco, explica a causa dessa anomalia em sua teoria sobre a logoterapia, apontando para dois tipos de frustração: um que nasce do fracasso de não se alcançar um bem real ou aparente que se pretendia; e outro, segundo ele muito pior, que nasce quando, apesar de se ter alcançado esse bem, se percebeu que não se tratava de um bem real, mas aparente.

Infelizmente, essa sensação tem crescido nos últimos anos, de forma exponencial, na sociedade atual. Medidas para diminuir suas consequências (solidão, depressão, vazio existencial, violência, etc.) também são variadíssimas: drogas de todos os tipos, esportes radicais, busca desenfreada de diversão, “workaholiquismo”, culto ao corpo, opções sexuais, etc. Porém, o que mais chama a atenção é que, apesar de que grande parte da sociedade já esteja consciente desse engano, parece que não tem forças para reagir. Parece anestesiada e impotente. A pressão social, que exige sempre mais hedonismo e materialismo, parece tomar conta da liberdade de cada um.

Um grave problema que decorre dessa sonolência social é que ela se reflete depois no olhar educacional dos pais. Perguntemo-nos: para eles, no fundo, o que mais lhes importa dar para os filhos? Para muitos, felicidade são jogos eletrônicos sofisticados, festas caríssimas, viagens ao estrangeiro, roupas de marca, celulares, computadores de última geração, intercâmbios escolares, carros exagerados. A mentira vivida em si mesmo, quase sempre de forma inconsciente, de alguma maneira é perpetuada nos filhos. A máxima (falsa) de que a felicidade está no máximo prazer material se torna, depois de muitos “ensinamentos práticos”, o fundamento de todas as motivações do jovem. O que eles pensam que os tornará felizes, porém, na verdade é falso, apenas um mero “prazer burro”: efêmero, superficial e egoísta.

A vida feliz para Aristóteles era a que possuía os bens mais apreciados: a família e os filhos no lar, uma quantia moderada de riquezas, os bons amigos, a boa sorte que afaste de nós a desgraça, a boa saúde. Mas, sobretudo, tratava-se de uma vida nutrida na contemplação da verdade e na prática da virtude. O filósofo grego, tutor de Alexandre Magno – um dos maiores reis de nossa história – sabia pela própria experiência de educador que, somente educando corretamente as potências da inteligência e da vontade, o verdadeiro processo educativo, que é aquele que faz sentir prazer e dor nas coisas certas, seria possível.

Parece que podemos concluir que o grande desafio de todo educador é desmascarar, primeiro com o próprio exemplo, e depois com o diálogo-reflexão pausado com os jovens, a mentira reinante de que a felicidade está em obter o máximo prazer material/corporal. Depois vem o desafio para que descubram que o prazer intelectual – a leitura de um bom livro, a apreciação da estética e beleza da arte, da música – dura muito mais e satisfaz infinitamente mais que o prazer material. E, por fim, que experimentem o prazer-doação, chamado também prazer espiritual. Ao recordar-lhes as vezes em que ajudaram a mãe em casa, o irmão nos estudos, o amigo na doença, a namorada(o) no namoro limpo, o cego na rua, o pobre no sinal, o inimigo nas orações concluirão que, apesar do sacrifício que tal prazer exige, ele é o único que é eterno, verdadeiro e produz um gozo muito mais profundo,como descobriram Aristóteles, Agostinho, Frankl e todos os homens felizes.