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A VOVÓZELA

26 de junho de 2010

Quando estava lendo o jornal O Globo de domingo, dia 20 de junho, deparei-me com a imagem abaixo na Página Logo, de autoria do sociólogo Bruno Liberati, que penso representa muito bem a nossa “Vovózela” de hoje. Liberati construiu a gênese da nossa heroína a partir da década de 60, quando bebeu das águas da contracultura e da ideologia marxista. Assim a nossa jovem “questionou o sistema e queimou o sutiã”; “-Nos anos 70 viajei”, continua ela, referindo-se a suas experiências com as drogas; “-Nos anos 80 minhas utopias foram para o buraco”, ou seja, a derrocada do comunismo. Penso que a sociedade atual é o fruto do que foi semeado nesse período de 20 a 30 anos. Trata-se da ruptura com a tradição e da ascensão e queda das utopias, capitaneadas pelo comunismo, cuja meta maior era destruir o sistema anterior e o seu conjunto de valores, eis que baseados numa infra  estrutura capitalista e opressora. Resultado: os valores ruíram e, pouco tempo depois, desabou o ideal socialista. Resta agora, mais forte do que nunca, justamente o que fora combatido: o burguês em estado puro. Ou seja, “-Enquanto isso…a globalização rolou solta quebrando tudo – o neoliberalismo criou o deus mercado – a mídia tomou conta do espaço público e a vida virou um ‘irreality show’do espetáculo do consumo”. A sociedade atual é devota do deus Baco, da violência, das drogas, da “grana na cueca”, do “serlular” etc. É imperioso o resgate da ética dos valores e das virtudes, sob pena de nos devorarmos uns aos outros. Sobre o mundo após a crise das utopias, recomendo vivamente um artigo publicado na revista Dicta&Contradicta, do filósofo  Massimo Borghesi.

A história da Vovózela

Conservador vs Liberal

4 de junho de 2010

Certa feita, em uma discussão de tese jurídica no trabalho, defendi um posicionamento que, posteriormente, foi taxado de “conservador” por meus colegas. Fiquei com a pulga atrás da orelha (mas, se procurei apenas justificar racionalmente a tese que defendida…). Comecei a notar, a partir de então, quão relativa e tendenciosa é a classificação que se faz de que algo é “conservador” ou “liberal”.

Geralmente, quando se chama alguém de conservador, quer se dar a conotação pejorativa de uma pessoa retrógrada e ultrapassada, que resiste aos “novos tempos” e a “nova mentalidade”. Por outro lado, o liberal é alguém “prafrentex” que desbarata tabús em prol do progresso da humanidade.

Não sei se isso tem haver com os anos 60, Woodstock e o movimento hippie, cujos arautos proclamavam o “é proibido proibir” e propugnavam uma completa reviravolta nos costumes e valores da sociedade. Certo é que estamos colhendo os frutos desta mentalidade: o mundo moderno é um lugar medonho, violento, individualista e hedonista.

Mas não pretendo aqui dizer como um amigo, que afirma ter nascido na época errada (segundo ele, com 200 anos de atraso), ou falar como certas vovós saudosistas (“-Esse mundo está de pernas para o ar! No meu tempo é que era bom!). Sem sombra de dúvida o mundo evoluiu em diversos aspectos, como no progresso das ciências e da tecnologia; no reconhecimento praticamente universal dos direitos humanos etc. Mas não se deve rechaçar o passado, ou antigas tradições e valores, pelo simples fato de ser “velho” e refletir uma mentalidade “conservadora”.

Devemos, sim, fazer um acolhimento racional daquilo que é tradicional, aprimorando-o com as conquistas dos tempos atuais através do filtro da verdade e da razão.

Étienne Gilson diz que  “há um problema ético na raiz das nossas dificuldades filosóficas; nós homens somos muitos voltados a buscar a verdade, mas reticentes em aceitá-la. Não gostamos que a evidência racional nos encurrale, e inclusive quando a verdade está aí, na sua impessoal e  imperiosa objetividade, continua de pé a nossa maior dificuldade: para mim, submeter-me a ela, apesar de não ser exclusivamente minha […]. Os maiores filósofos são aqueles que não titubeiam na presença da verdade, mas lhes dão as boas vindas com estas simples palavras: Sim, amém” (A filosofia na idade média São Paulo. Martins Fontes, 1998).

Não se trata, assim, de ser “conservador” ou “liberal”. Devemos ser filósofos, no sentido pleno da palavra, ou seja, amigos da sabedoria, e portanto, da verdade, mesmo que ela tenha sido desvendada por medievais ou pelas vovós saudosistas.